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“Eu dizia: meu pai não pode morrer de Covid e virar um número. Ele morreu”


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Com quase 100 mil mortos no Brasil por causa da Covid-19, o Dia dos Pais será  triste para milhares de famílias. Ana Paula Buscher, 27, é uma das pessoas que vai passar a data sem o dela, que morreu por conta do coronavírus há quase dois meses. Não haverá reunião familiar, como de costume: o irmão de Ana também testou positivo para o vírus há duas semanas — e eles querem preservar a saúde da mãe.

pai e filha
Arquivo pessoal

Hoje, Ana mantém o pai presente no seu trabalho por meio do “Pedacinho do Céu”


Celso, pai de Ana, tinha 63 anos e boa saúde. “Meu pai trabalhava em uma metálúrgica, porque ficou como autônomo durante muitos anos sem pagar o INSS. Então, ele precisou arrumar um emprego para conseguir se aposentar com uma renda um pouco maior. Quando São Paulo entrou em quarentena, a empresa fechou, mas, naquela semana que começou o rodízio de carros ,  ele voltou a trabalhar. Nos dias em que o carro dele podia rodar, ele ia de carro, mas, quando não podia, tinha que ir de ônibus”, conta Ana Paula.

Segundo os cálculos da família, foi nessa semana que Celso contraiu o vírus. Mesmo usando máscara e passando álcool em gel nas mãos, o metalúrgico começou a apresentar sintomas de uma gripe forte, que o levou ao hospital. “Ele foi tanto no hospital do convênio quanto no do SUS, e ninguém pediu um teste para Covid-19. Foi diagnosticado com sinusite e mandado para casa, tomando remédios”, diz Ana.

Logo Celso teve de voltar ao hospital. Ana diz que o segundo diagnóstico foi de início de pneumonia. Receitaram um antibiótico e, mais uma vez, o mandaram para casa sem pedir um teste para Covid. Após mais uma semana de sintomas intensos da doença, o irmão de Ana levou o pai ao posto de saúde.

“Na terceira semana, ainda sem melhorar, meu irmão, que trabalha em um posto de saúde, levou nosso pai e o médico também disse que era pneumonia, mas ele continuou passando mal e, na madrugada de domingo para segunda, ele foi direto para a UTI”, conta a filha.

No dia da internação, finalmente, foi realizado o exame. “Na quinta-feira, saiu o resultado positivo para Covid-19 e, no domingo, ele faleceu. Teve duas paradas cardíacas, porque não tava conseguindo respirar sozinho e pretendiam entubá-lo no domingo, mas não deu tempo. O coração não aguentou.”

“Ele não pode virar um número”

Ana, que é chef de cozinha e confeiteira, passou todo o tempo em que seu pai estava doente respeitando o isolamento, na casa da namorada. Durante aquelas semanas, se viram só por videochamadas e pela janela da casa. Quando o pai morreu, também não pode ver o corpo nem realizar um velório. 

“Desde o início, eu dizia: ‘Não posso perder meu pai, meu pai não pode morrer agora, ainda mais por causa dessa doença. Meu pai não pode virar um número’. Mas ele morreu e meu mundo caiu. É muito chocante. Na hora de fazer o reconhecimento do corpo, foi por uma foto, no caixão. É tudo lacrado. Essa galera que está saindo, fazendo rolê, não foi a um cemitério para ver o congestionamento de enterros”, diz Ana. 

Nas semanas anteriores, um primo e o irmão da cunhada de Ana também morreram por conta do coronavírus. “Foi muito, muito, muito ruim. Eu estava muito na ‘vibe’ de pensar: ‘Isso é só uma crise de ansiedade, não vai acontecer nada com o meu pai. Ele vai conseguir se recuperar, olha quanta gente está saindo’. Mas, não. Ele acabou morrendo.”

Vida durante o luto

Uma semana após a morte do seu pai, Ana foi chamada para voltar a trabalhar presencialmente. O restaurante onde trabalhava havia dispensado os funcionários por algumas semanas, mas investiram no formato delivery e chamaram a equipe de volta. Nesse meio tempo, Ana fez alguns cursos e começou a trabalhar de forma autônoma com confeitaria.

“Eu não queria me expor, pegando metrô cheio e correndo risco de passar alguma coisa para minha mãe ou para minha namorada. Depois de pensar um pouco, decidi ficar só com as encomendas”, diz a chef.

“Meu pai sempre me apoiou muito. Eu levei um tempo para entrar na faculdade de gastronomia, não achava que era pra mim, mas, quando eu decidi fazer, ele me apoiou. Ele sempre foi muito presente, era muito ‘formiga’, então era minha melhor cobaia para experimentar os doces. Ele nunca foi de mentir para me agradar. Sempre esteve ali, sabe? É estranho saber que ele não está mais aqui”.

Um dos planos de Ana para 2020 já era investir na confeitaria, por isso, nos seus últimos meses de vida, Celso se dedicou a reformar uma oficina que tinha na sua casa para transformá-la em uma cozinha espaçosa para o trabalho de Ana. “Era uma surpresa para mim. Só descobri depois que ele morreu. Isso me deixou ainda mais sem chão”, diz. “Ele tinha os olhos azuis. Decidi dar para minha cozinha de produção o apelido de Pedacinho Do Céu, por causa dos olhos e do nome dele, Celso.”

Fonte: IG Mulher

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